domingo, 3 de janeiro de 2010

Frank Zappa and the Mothers of Invention- Entrevista com Zappa, Revista Bizz (1986)

                                         




"Qual a parte mais feia do seu corpo? Alguns dizem que é seu nariz , outros dizem que são seus dedos dos pés. Mas eu acho que é sua mente."

    
      Frank Zappa (1940-1993) foi um dos maiores músicos do século XX, isso é incontestável.  Frank Zappa foi um dos maiores ícones da história do Rock, isso é incontestável também. O porque dessas afirmações se deve logicamente a vários fatores, mas principalmente por dois: a inventividade e o sarcasmo. Desde 1966 quando lançou o álbum Freak Out, Frank e sua primeira banda o Mothers of Invention ajudaram a definir o que seria chamado posteriormente de rock underground. Não interessa se você acha o som dele uma merda e curte Metal Extremo e/ou Hardcore, a semente subversiva que acompanha esses estilos mais extremos foi plantada ali. 

    Utilizando-se da mistura de Jazz, música erudita, música dodecafônica, Rock psicodélico e muito sarcasmo, acidez e deboche o Mothers of Invention foi um tiro na cara dos hippies
 e da contracultura tão em voga naquela época. O álbum de 1968 We´re Only In It For The Money (foto ao lado) é um clássico da época, não só por suas músicas se assemelharem a jingles de comerciais de rádio e TV, não só pela arte do álbum esculachar os intocáveis e supremos Beatles e seu louvado Sgt. Peppers, chamando eles de vendidos e substituindo a capa glamourosa do album do quarteto de Liverpool por um bando de freaks; mas principalmente pelo conteúdo das letras que criticavam cinicamente todo o movimentos hippie e, claro, as autoridades que combatiam esse movimento. Com um ponto de vista iconoclasta, Zappa aponta seus disparos para a alienação dos hippies, os preconceitos de uma sociedade conservadora no meio de uma onda de liberdade, paz e amor, e a brutalidade dessa sociedade conservadora em reprimir os ideais libertários da época. Tomando o ponto de vista de um observador Zappa ajudou a construir um tipo de atitude que o mundo dez anos depois chamaria de Punk. Duvida? Num dos shows de divulgação desse álbum em 1969 um dos membros do Mothers se vestiu de freira e saiu distribuindo ao público presente pílulas anti-concepcionais e camisinhas. Se a igreja católica não vê isso com bons olhos até hoje, imagina naquela época! Precisa dizer mais alguma coisa?

 


Em 1970 o Mothers of Invention se desfez, e Zappa continuou a lançar discos. Foram mais de 200 até sua morte em 1993, vítima de câncer 
na próstata. Na década de 1980 Zappa encabeçou um movimento de artistas contra a PMRC (Parents Musical Resource Center, em português Centro de Recurso Musical dos Pais). A PMRC era uma associação criada por Tipper Gore, esposa do então senador e futuro vice-presidente dos EUA Al Gore. A PMRC procurava "educar" e "alertar" os pais sobre os perigos da música jovem, mais precisamente o Rock, perigos estes que poderiam alterar o "bom comportamento"
de seus filhos. Gore acusava bandas de Rock de promoverem através de suas letras a violência, a promiscuidade, a subversão, o consumo de drogas e o suicídio. Vários artistas tiveram dor de cabeça com a PMRC, que procurou instituir a censura e processos criminais contra a obra de vários artistas, dentre eles Twisted Sister, Ozzy Osbourne e o Dead Kennedys, só pra citar alguns poucos. Em 1985 a PMRC instituiu a lista das 15 canções mais asquerosas dos EUA e convocou alguns artistas a depor sobre suas letras. Zappa foi voluntariamente ao congresso americano falar em favor dos artistas e da liberdade de expressão e opinião.




USA- As pessoas dizem que você é um gênio musical. Mas o Mothers of Invention tem muito de underground. Como é que você nunca chegou a ser grande sucesso comercial?

Zappa- Olha: se uma pessoa é um gênio musical, isto não significa que este gênio tenha de ser manifestado através de enormes vendas. Não acho que haja muita coisa dentro do espectro das enormes vendas que possa ser considerada genial, e o fato de eu ser um gênio ou não é irrelevante. Sou uma pessoa que tem uma pequena gravadora e uma audiência muito sólida de umas poucas pessoas que realmente gostam do que faço. Eu trabalho para eles e para mim mesmo.

USA- Você é conhecido por suas letras intelectuais- ou escatológicas, se preferir.

Zappa- Há uma diferença. Em primeiro lugar, não há nada de errado com a escatologia. Isto existe na literatura há muito tempo. Se você fala sobre algo que se refere a funções do corpo...

USA- Você faz isto de montão.

Zappa- Há uma razão para isto, porque a língua inglesa é uma grande peça para articulações. Você pode dizer as coisas de forma muito direta. Se você falar sobre um detrito fecal, pode usar isto como metáfora para uma porção de coisas, compreensível para uma pessoa marginalmente letrada. É com esta audiência que você fala. Você não vai querer falar com elas na linguagem de Eurípedes.

USA- Como é ser um homem de meia idade e um músico de rock?

Zappa- Não me importo de ter esta idade. Não me importo de ser feio. Não me importo de estar ficando careca atrás da cabeça. Não me importo de ter problemas com meu corpo. Não me importo com essas coisas. Me importo com música. Se eu fosse um músico de rock do mesmo nível que as pessoas normalmente associam a um musico assim- tipo roupas de couro com uma pulseira de tachinhas e todo essa aparato estranho- aí estaria sendo incongruente. Mas eu não sou.

USA- Então, o que você é?

Zappa-  Eu calho de ser um compositor que utiliza o rock como meio. Comecei escrevendo música para orquestra e música de câmara. Não escrevi música de rock até os 20 anos de idade. E comecei quando tinha 14.

USA- Você acha que Madonna ou Prince têm letras particularmente interessantes?

Zappa- Não sou um consumidor desse tipo de música. Sei que as letras que escrevo são importantes para as pessoas que consomem o que faço. Mas não acho que esta seja a mesma audiência de Prince ou Madonna. A música deles é feita para dançar, para posar quando você estiver usando uma roupa especial, ou para servir como papel de parede para um estilo de vida. Mas não é nada para filosofar em cima. Com muita sorte, até rima.

USA- O que você estava tentando dizer quando compôs "Valley Girl" (uma música que influenciou muito a linguagem e o comportamento das adolescentes da c0sta oeste americana)? Era uma coisa meio debochada sobre as garotas da Califórnia. Sua filha, Moon Unit, era assim?

Zappa-  Oh não! Eu escrevi a música porque era o que estava acontecendo por lá naquela época. Você é a primeira pessoa que me diz que ela é debochada. Todo o resto achou: " Pô, que legal. Eu vou agir assim". E isto pode lhe dar uma idéia da compreensão intelectual do público médio. Quer dizer: é debochada. Diz que estas pessoas têm a cabeça oca. Estes são seus valores. É o jeito que eles falam. E é uma letra jornalística.

USA- E como é ter uma filha que ia para a escola com essa gente?

Zappa- Onde é que ela iria à escola? Em Vênus? Eu quero que todos os meus filhos descubram o que é o mundo real. Eles estiveram em escolas públicas e privadas. E agora os dois mais velhos estão fora da escola. Moon terminou o colegial e caiu fora. Dweezil está fazendo a mesma coisa.

USA- Quer dizer que você tem filhos muito por dentro?

Zappa- Eu diria que sim.

USA- Então não é uma família careta?

Zappa- Não, e não há razão para ser, já que estou convencido de que esta não é a maneira certa de educar uma criança.

USA- As pessoas evitam sua família por você ter uma reputação demoníaca?

Zappa- Se eu tenho esta reputação é porque as pessoas na imprensa queriam que eu fosse deste jeito pra servir a seus propósitos. Na verdade, eu sou muito mais conservador que outros pais. Não uso drogas. Minha mulher também não. Me preocupo muito mais com meus filhos irem à casa dos outros do que eles deveriam se preocupar em mandar seus filhos à minha.

USA- Porque você deu a seus filhos nomes estranhos ( Moon Unit, Dweezil,Ahmet e Diva Thin Muffin)?

Zappa- Thin Muffin não. Isto ela inventou, o nome é Diva.

USA- E os outros nomes?

Zappa- Não interessa que nomes eles tenham, o que vai dar problema é o sobrenome. E, de qualquer maneira, o que há num nome? Sei que estas crianças vão crescer e ser especiais e individuais. Não acho que um nome especial e individual seja um crédito.

USA- Olhando pra trás, você não preferia que sua filha Moon Unit se chamasse Jennifer, ou algo assim?

Zappa- Durante um tempo, ela quis mudar seu nome para Beauty Heart e Ahmet para Ric. Mas isto durou umas três semanas.

USA- Ao falar recentemente para o Congresso, você se opôs a um projeto de lei que colocaria faixas de censura nas capas dos discos para que os pais soubessem o que suas crianças estavam ouvindo. Você não quer saber o que Moon e Dweezil estão ouvindo?

Zappa- Se os pais fizeram seu trabalho de dar aos filhos uma informação sexual adequada, eles vão saber que quando o Judas Priest fala de sadomasoquismo, trata-se de uma aberração, e que isto não vai ter qualquer efeito. As pessoas que querem fazer uma comissão para tirar a educação sexual dos lares são loucas. O governo não consegue controlar nem o orçamento. Como é que vai tomar conta de seus filhos?

USA- Você acha que seus fãs são mais intelectuais que a maioria?

Zappa- Nossa demografia não mostra isso. Se você for a um de nossos concertos e olhar para a garotada no público, não acho que vai ter por um microssegundo a idéia de que se trata de um grupo intelectual e introspectivo.

USA- O que mais falta conquistar? Você é um rebelde sem causa?

Zappa- Dificilmente, porque minha causa é a música. Estou interessado no que pode ser feito com tipos diferentes de expressão musical- sem qualquer interferência. Isto é muito difícil de fazer nos Estados Unidos; a menos que você venda, não dá para continuar fazendo.

USA- Você teve um vídeo que nunca foi ao ar.

Zappa- Entrou no ar em poucos lugares. Há duas razões para não ter sido exibido. A primeira é porque tinha a palavra nigger (expressão pejorativa para negro) e porque conseguimos uma sósia do presidente Reagan e o colocamos numa cadeira elétrica.

USA- Os radicais dos anos 60 estão agora na grande corrente. Jerry Rubin tem pequenas casas de música em N.Y. . Tom Hayden é um deputado na Califórnia. Sam Brown trabalha na área imobliária. Incomoda a você o fato de sua geração ter sido transformada numa caricatura? Interessa a década de 60?

Zappa- Eu acho que os 60 foram vendidos em excesso durante os 60. A nostalgia com os 60 dá pena por causa de todas as marchas pela paz e aquelas coisas- e não estamos falando aqui de um compromisso moral. Estamos falando de um acontecimento social. É onde você ia para transar nos anos 60. Você podia acabar transando com uma garota vestindo um cobertor fedido, que não tomava banho há duas semanas, mas é isto que acontecia então.

USA- Você vê alguma semelhança entre Live Aid, Farm Aid e USA for Africa?

Zappa- Não, absolutamente. A única coisa que eles têm em comum é dinheiro.

USA- Muitas pessoas conhecem você melhor por causa do seu poster da privada.

Zappa- Não há nada de obsceno com a foto. Não há partes excitantes do corpo à mostra. E é uma foto estúpida- um cara de cabelo comprido sentado na privada com as calças abaixadas.

USA- Você se arrepende dela?

Zappa- Não.

USA- E faria de novo?

Zappa- Não. O que me incomoda é que o poster é provavelmente um dos mais vendidos de todos os tempos. Se alguém quiser uma foto minha sentado numa privada, eu adoraria ser pago para fazê-la.


Baixe Freak Out:


Baixe We´re Only in it for the Money:




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