terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Entrevista com Robert Smith- Revista Bizz Nº 7(1986)





    O que dizer de Robert Smith e do The Cure? O Cure é uma daquelas bandas que é impossível se falar mal. Não tem jeito. Mesmo se não gostar falar que é ruim? Que os caras não tem atitude? Que não têm integridade? Que não levam a autenticidade junto com eles em tudo que fazem? Que são vendidos? Só porque toca no rádio e tem hits massivos como "Boys Don´t Cry", "In Beetween Days", "Close to Me" e "Friday I´m in love", que todo mundo que esteve no planeta Terra nos últimos 30 anos conhece? O The Cure é bem mais que isso. E essa entrevista nos prova a figura carismática e simples que é o sr Smith, que fala sobre a imprensa, futebol,tocar no Brasil, sobre algumas letras do Cure e trabalhos solo de uma maneira integra e autêntica fugindo do clichê do Rockstar, e olha que ela foi realizada logo após o lançamento da clássica coletânea Standing on the Beach, ou seja, no auge do sucesso comercial do Cure.

     Entrevistado por Pepe Escobar na sede da Fiction Records (gravadora independente que lançou o Cure por esse tempo todo). Robert Smith desmistifica a pode de superstar e prova que é preciso bem mais que um visual legal e marketing de gravadora para se fazer música de qualidade. Não é a toa que o Cure dura até hoje com a mesma força de sempre.


     A cozinha da Fiction Records é branca. Imaculada. Ficamos íntimos. Trocamos impressóes durante uma hora, enquanto esperava a chegada de Robert Smith. Ele mesmo, o dândi incurável. É normal. "Fat Bob", como o chamam os amigos, também deu um chá de cadeira- branc quando foi entrevistado para a capa da Face inglesa. Ele não anda de relógio. Nunca. Adora dormir até tarde. Mas dessa vez demorou porque estava trabalhando: tirando fotos promocionais em supermercado.
 
     As histórias sobre pose de superstar são mito. Me pagou uma cerveja e foi extremamente adorável. É uma das pouquíssimas cabeças pensantes do universo rock e pop. Uma pessoa refinada, civilizada. Alguns dias depois, o Cure deu um show impecável no Camdem Palace, com neve lá fora, antes de partir para uma excursão européia. Agora vamos conhecer Bob Smith.


Robert: Gostaria muito de tocar no Brasil. Você acha que haveria muita gente interessada em nos ver? (nota do brogui: um ano depois o Cure veio, em 87; voltou em 96, e até hoje milhares de fãs esperam o retorno do Cure.)

Bizz: Sem dúvida! Nas principais cidades, o grande sonho de muitas bandas é fazer um som inspirado no Cure. De dois anos pra cá, virou um verdadeiro culto.

       Robert: My God!...(sorriso, olhinhos revirados).
       
       Bizz: Soube que você adora futebol, especialmente a Seleção do Brasil. Como é essa história?

       Robert: É o melhor time. Acompanho desde a Copa de 70, quando jogava aquele fantástico Jazinho (nota: ele quiz dizer Jairzinho). Acompanho todas as Copas. Mas não torço pela Inglaterra.

      Bizz: Por Quê? Algum preconceito contra o time do seu país?

      Robert: Não. Contra o técnico. Nunca escolhem um bom técnico.

      Bizz: Você não parece um esnobe. Como é o seu relacionamento com a imprensa musical inglesa, que vive te atacando, e à sua "pose"?

     Robert: Na verdade, eu nunca cheguei a ler jornais e revistas de música. Só
lia quando era adolescente. Os bem idiotas tipo Smash Hits; ou Melody Maker, para saber das fofocas. Nós tratamos a imprensa com reverência. O problema é que a maior parte das pessoas que escrevem na imprensa de música é estúpida. Não gosto delas.

     Bizz: Músicos Frustrados?

     Robert: Seres humanos frustrados! Acho que nos odeiam porque nunca estivemos na moda. E somos difíceis de categorizar. Não existe muita coisa a escrever sobre o Cure.

     Bizz: Há um verso belíssimo em "The Blood": "Estou paralizado pelo sangue de Cristo". Foi uma visão ou você premeditou?

     Robert: Esse verso foi muito mal interpretado. É sobre uma bebida, acho que portuguesa. The Tears of Christ....

     Bizz: Lacrima Christi.

    Robert: Isso mesmo. Me deram uma garrafa e eu bebi inteira, em quinze minutos... De repente, comecei a ter visões! Achei que "as lágrimas de Cristo" seria muito sentimental para um verso. Blood of Chirst é muito mais agressivo. Foi uma licença poética. Adoro o rótulo na garrafa: tem uma madona segurando um bebê e uma garrafa na outra mão... É o melhor uso da santa que vi nos últimos tempos....

   Bizz: Como é a relação com as drogas? O LP Blue Sunshine foi baseado numa série de viagens de ácido, não? (nota do brógui: Blue Sunshine foi um álbum lançado por Smith e Steve Severin, baixista do Siouxie and the Banshees, em 1983, sob o nome de The Glove e, é também um filme de terror trash de 1976 dirigido por Jeff Lieberman.) Além do filme em si...

   Robert: Eu nunca vi o filme. Severin também não. O filme não saiu na Inglaterra. Não sabíamos sobre o que era. É, esse disco teve muito a ver com drogas. Agora eu tento não tomar drogas.

  Bizz: Parou com tudo?

  Robert: Quase tudo. Bem, mas se eu continuar a falar assim, nunca vão me deixar tocar no Brasil... Tomar drogas de qualquer jeito, pode chegar a ser estúpido. Álcool é droga, não? E eu bebo demais. Parei com cigarros, pelo menos. Era meu pior vício.

  Bizz: Muita gente no Brasil associa sua imagem - e até mesmo o som- a viagens de ácido, especialmente em "The Top".
 
  Robert: Não necessariamente. Algumas dessas canções são ligadas a alucinógenos ou à psicodelia. Mas são poucas. Não rende muito escrever canções sobre drogas.


Bizz: Esse romantismo dark do Cure foi premeditado de alguma maneira? É uma brincadeira? Algumas pessoas o tomam muito a sério.

Robert: Antes, chegou a ser uma coisa séria. Em Seventeen Seconds, Faith e Pornography tínhamos uma visão particular do mundo...

Bizz: Uma cosmologia?


Robert: Tínhamos uma idéia do que queríamos fazer, como deveria ser o som, como gostaríamos que as pessoas nos vissem. Depois de Ponography, achei que estava ficando pesado demais. Começamos a atrair muita gente com tendências suicidas, ou gente muito oprimida. Isso tudo só refletia um lado nosso. Depressivo. Não havia diversão. Aí começamos a investir em outro lado de nossa personalidade, em canções como "The Walk" ou "Lovecats". Tudo muito mais "leve"... Agora, no último álbum, acho que estamos bem balanceados.

Bizz: The Cure, agora, é a banda que você tinha na cabeça quando começou?

Robert: Nunca pensei sobre isso. Quando começamos, o Cure que eu tinha na cabeça era o de Three Imaginary Boys. Tudo depende muito de como eu me sinto, porque eu fico na frente, tenho que explicar coisas para as pessoas...

Bizz: As principais decisões na banda são suas?

Robert: São. Tínhamos uma espécie de arranjo democrático, antes. Mas dava muita confusão. Hoje, as pessoas confiam em mim para tomar as decisões certas. Claro, se elas deixarem de confiar, podem ir tocar em outro lugar. De qualquer maneira, todos estão envolvidos. As discussões são todas em comitê. Eu tento, nas decisões, não cometer muitos erros.

Bizz: Você geralmente faz os vídeos com o Tim Poe. Como vocês os roteirizam?

Robert: No primeiro nós tínhamos um story board. Depois, como nós nos conhecemos tão bem, o grupo decide como quer aparecer, e todas as decisões técnicas foram com o Tim. Durante a gravação temos algumas idéias e improvisamos.

Bizz: Foi assim com aqueles pares de meia em "In Beetween Days"?

Robert: Foi. Mas não gosto daquilo. Terrível...

Bizz:  Com tanta excursão pelo mundo, você encontra tempo para si próprio, para relaxar?

Robert: Os primeiros seis meses de 1985 nós passamos gravando, um pouco aqui, um pouco ali. Não fizemos muita coisa. Fiquei em Londres esse tempo todo. Depois ficou mais difícil- tivemos que começar a sair,tocar. Eu adoro ficar trabalhando e compondo no estúdio. E também gosto de tocar no palco. O único problema é que para isso você tem de ficar viajando... Depois de algum tempo, enche. Nos Estados Unidos, então, é insuportável.

Bizz: O que você acha que o Cure representa para um garoto americano lá no meio do country ultra-reacionário?

Robert: O fantástico nos EUA é que lá existe gosto pra tudo. Na Middle America, acho que o Cure tem todas as chances de ser muito mais odiado do que em qualquer outro lugar. As pessoas que gostam de nós são basicamente do mesmo tipo, onde quer que a gente vá.

Bizz:  Sem dúvida. A garotada brasileira não sabe extamente o que você está falando nas letras, mas isso não importa.

Robert: Sim, como na Alemanha, onde a banda é muito popular. No Japão eles traduzem as letras nos discos. Aí começamos a publicar os originais. Antes, não nos importávamos muito em imprimí-los.

Bizz:  Como é sua relação com a indústria da música? Você é obrigado a suportá-la muito a contragosto?

Robert: Nós sempre trabalhamos com a mesma pessoa, Chris Parry. (nota: o diretor da Fiction Records). Nós lhe dizemos o que queremos. E ele dá o recado para o resto. Depois de trabalharmos tanto tempo juntos- uns oito anos-, e depois das pessoas também saberem de nossa relação com a Polydor (nota: atual Universal, major que distribuia os discos do Cure até 2000), nos deixaram em paz. Já sabem que não fazemos o que não queremos. Decidimos desde o dia da assinatura do contrato que nunca pegaráimos dinheiro de gravadora. Portanto não somos obrigados a fazer nada. Só nos EUA existem problemas. Lá, as pessoas querem que você faça sucesso, que seja uma estrela. Eu odeio esse sistema. É uma experiência horrível, similar a do Japão. Tentam fazer com que você se sinta "diferente". Na Europa não acontece. Não sou reconhecido na rua, e não espero que as pessoas me tratem de outro jeito.  Somos um dos únicos grupos que conseguiu escapar das manipulações da indústria. Foi esperteza, mas foi também muita sorte.

BIZZ:  Fale das suas influências literárias.

Robert: Muitas e variadas. Acabei de ler o escritor argentino... Jorge Luis Borges...

Bizz: Que ótimo, o que você leu?

Robert: Labirintos. Brilhante. "Toda novidade é um esquecimento." Ele tem um pensamento brilhante. Tudo que é novo já foi esquecido. Quanto as influências, qualquer um que você mencionar eu provavelmente gosto. Meu passatempo favorito é ler, eu prefiro ler a ouvir música.

Bizz: E quando você compõe, compõe primeiro a música ou a letra?

Robert: Depende. Às vezes é uma frase de cabeça. Às vezes estou vendo televisão e de repente: Ah! Isso soa bem! Eu vou para o gravador e balbucio uma melodia...Encontro música muito mais facilmente do que palavras. Para mim é mais natural compor boas melodias. È difícil, depois de você ler bons autores, como Dylan Thomas, Joyce, achar que escreveu algo suficientemente bom. De qualquer maneira 90% do que eu escrevo não uso. É a razão pela qual não soltamos muitos discos.

Bizz: Você geralmente escreve depois de tomar umas e outras?

Robert: Geralmente sim. Ou quando me sinto muito cansado e acordo no meio da noite. Ás vezes eu me esforço. Em Pornography eu fiquei uns quatro ou cindo dias só bebendo água, e de jejum. Aí me forcei a escrever. Mas nunca vou conseguir fazer isso de novo. Há uns cinco meses que eu não escrevo nada. Geralmente escrevo depois do Natal, porque fico irritadíssimo.

 Bizz: O que você gostaria e fazer fora das ligações perigosas com a indústria da música?

 Robert: A única coisa que estou fazendo no momento é um livro...

 Bizz: Fragmentos, excertos?

 Robert: Não. pior... É mais ou menos uma série de contos. Eu não tenho ambições. Prefiro sempre imergir no que estou fazendo no momento. Não consigo me imaginar planejando alguma coisa. Eu costumo "cair" nas coisas.  Produção, talvez pintura, qualquer coisa. Estrela da natação internacional....

Bizz:  Como te afeta o status de celebridade? Se é que afeta...

Robert: Não afeta. Só antes dos shows, quando fica aquele monte de gente em volta, pedindo autógrafos, fazendo perguntas. É um pouco estranho. No restante do tempo, me deixam em paz. Hoje fui ao Selfidge´s (nota: conhecida rede de lojas de departamento inglesa) e ninguém falou nada. Isso tudo é um mito que a mídia gosta de perpetuar. Faço tudo o que faria normalmente: ir para casa, ver TV, sair até o pub da esquina. A única vantagem, é a de ganhar dinheiro fazendo uma coisa que dá prazer. Mas de repente você começa a pensar em si mesmo na terceira pessoa. Por isso durante algum tempo, saí do Cure e fui tocar com os Banshees. Eu só conseguia olhar pra mim e me ver como Robert Smith do Cure, e não como eu mesmo.

Bizz: Quando você é confrontado com essa mitologia, fica com raiva?

Robert: Sim, quando as pessoas esperam uma certa atitude minha. Por exemplo, há pouco, em Nova York, nós passamos o dia inteiro na Tower Records, autografando discos.  Foi muito chato. Mas havíamos prometido. De noite houve o concerto. Foi ótimo. Saímos e voltei para o hotel as seis da manhã, completamente bêbado. Às onze da manhã recebo um telefonema da recepção- alguém queria que eu descesse para uns autógrafos. Eu disse: " Não dá, estou muito cansado". Logo depois vem uma carta lá de baixo dizendo: " Você não passa de uma estrela metida. Nós viemos aqui só para falar com você, e você não se digna a nos receber". Como é possível explicar? Por isso não me promovo como alguém famoso.

   Bizz:  Para encerrar: o que você tinha na cabeça quando resolveu montar uma banda? Auto-expressão? Um jogo? Flerte com a fama?
   
   Robert: Originalmente, era uma coisa muito séria. Eu tinha 16 anos. Fui ver os Stranglers. Achei ótimo. Pensei:  Gostaria de estar numa banda. Pensei mais um pouco e vi que dava para montar uma banda própria. Eu queria ser visto como uma alternativa, fora do consumismo musical. Nós não somos assim tão diferentes, tão revolucionários, tão radicais. Mas, enquanto nossa diferença em relação ao que está aí estiver clara, estou feliz. Fazemos nosso trabalho a sério, mas também nos divertindo. Senão seríamos apenas amargos como o Fall, por exemplo. Hove também uma outra razão para montar uma banda: eu nunca queria ter que acordar cedo de manhã....


Baixe dois discos clássicos do The Cure:

Seventeen Seconds (1981) Deluxe Edition


Japanese Whispers (1983)











7 comentários:

  1. foram pedir autografos as 6 HORAS DA MANHA??????

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  2. desculpa, falha minha, n vi onde tava escrito 11 horas da manha

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  3. Ah, o Robert ta certo.
    De boa, qdo se é famoso ou conhecido,
    o povo sisma que vc tem que ser perfeito,
    ou um anjo, ou super educado.
    Avá...ngm nasce perfeito.
    Ele tem todo direito de sentir sono.
    Se fosse um cara anônimo ou mais ou menos
    conhecido, poderiam até falar mas não seria
    como falam de um famoso. A cobrança é grande.

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  4. Robert, te adoro, man!
    Vc não é só um cantor,
    vc tem cultura literária.
    Difícil achar um cantor assim.

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  5. po robert smith e foda de mais cara,essa cara sim meresse tudo

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  6. ADORO O ROBERT SMITH,MAS FIQUEI MUITO TRISTE EM SABER QUE ELE NÃO GOSTA DOS FÃS...

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