Eric Boucher a.k.a. Jello Biafra: 50 anos, ativista político, dono de um dos maiores e mais duradouros selos underground da história, ex vocalista de uma das mais influentes bandas da história, ícone do punk, ícone do underground, ícone do DIY, ex candidato à prefeito de São Francisco, ex candidato a disputar uma vaga à presidência dos EUA em 2000. Uma verdadeira lenda viva que pelos últimos trinta anos têm injetado doses cavalares de política na juventude mundial, evitando assim que gerações inteiras caíssem no conformismo, na alienação e na mediocridade da sociedade capitalista ocidental. Uma figura essencial para os tempos sombrios que vivemos hoje. Sempre ativo Jello acaba de lançar seu mais novo álbum de música (sim, de música, porque constantemente ele também lança álbuns com seus discursos.) The Audacity Of Hype, com sua nova banda The Guantanamo School Of Medicine, que trás a participação de ninguém menos que Billy Gould (Faith no More/Brujeria) e 14 críticas ácidas ao nosso incerto mundo atual: do consumismo desenfreado de "Strength Thru Shopping", passando pela ditadura das multicorporações "New Feudalism" e pela ridícula crise de alimentos que quebrou meio mundo em 2008; e deixou os países de primeiro mundo com a mão na tanga (nota do brog: Bem Feito!), "Electronic Plantation" até chegar a um verdadeiro hino da resistência anti-capitalista, que só poderia mesmo ter sido escrito por alguém que sentiu esse ímpeto de resistência na pele por toda a vida "I Won´t Give Up".
"Então, da minha pequena e própria maneira
Eu fiz um juramento
E você pode fazê-lo agora!
As Corporações não poderão me ter
Não vou desistir
Isso não é uma opção!"
(Jello Biafra- I Won´t Give Up)
Com toda certeza Jello é uma das figuras mais importantes da esquerda das últimas três décadas, seja na arte ou na política. Porém o que trazemos aqui, não é o trabalho novo do cara e sim uma entrevista antiga, de 1986 quando ele ainda era vocalista do Dead Kennedys. Nela Jello fala sobre o punk brasileiro, a quase falência da Alternative Tentacles, sobre sua candidatura a prefeitura de São Francisco e até sobre o RUN DMC! Entrevista feita por Marco Antônio de Menezes e publicada no número 7 da extinta revista Bizz.
BIZZ: Você conhece o punk rock brasleiro?
Jello: Tenho a maioria dos discos punk brasileiros: Olho Seco, Cólera, Ratos de Porão...
Eles mandam fitas para o programa de rádio de São Francisco, Maximum Rock N´Roll (Nota do brog: que também é um zine), e a gente acompanha o que acontece por lá.
BIZZ: E você gosta?
Jello: Tem coisas ótimas. Ratos de Porão tem um som maluco de barbeador elétrico ou coisa parecida, uma espécie de navalha elétrica. Em gravações, pelo menos, o som é um barato, um escândalo. ( Nota do brog: Jello lança os discos do RDP pela Alternative Tentacles desde meados da década de 90.) No futuro, para manter vivo o espírito do punk, essa música tem que se expandir, mas mantendo sua identidade. O perigo é transformar o punk em outra fórmula, em conformismo. Espero que eles façam experiências, aumentem seus horizontes.
BIZZ: Isso seria o caminho para o futuro do punk?
Jello: Punk é um estado de espírito. Essa coisa de vestir jaquetas, uniformes militares, é cultura consumista. A maioria dessa gente está fazendo o mesmo que os chamados "normais". O verdadeiro punk às vezes tem uma aparência comum. O cara que faz nossas capas, Winston Smith, é mil vezes mais punk que a maioria dos punks que eu conheço. E é um carinha de barba, cabelo comprido de hippie, mora nas montanhas, sem telefone, nem eletricidade.
BIZZ: No Brasil vocês vão tocar para o pessoal do subúrbio. ( Nota do brog: O Dead Kennedys ia tocar no Brasil em 86, mas a banda acabou antes deles virem para cá.) É uma garotada com um tipo de sensibilidade muito política, pela própria luta do dia-a-dia; e exigem uma música que expresse a revolta deles.
Jello: Eu sei disso, e é a coisa que mais atraiu a gente. No princípio pensei que os punks brasileiros fossem ricos, porque quem ia ter dinheiro para comprar os instrumentos? Depois fiquei sabendo que não é bem assim. Mas parece que o punk não consegue chegar até as favelas, até as pessoas de vida realmente miserável Isso, eu acho, só vai acontecer com um tipo de punk acústico, com instrumentos improvisados, do tipo que o pessoal de Washington faz com garrafas e tambores vazios, latas de lixo. É barato, dá pra fazer sem eletricidade. E punk não tem muito sentido sendo só escutado, todo mundo que entra no punk tem que fazer música punk. O interessante seria tentar misturar isso com o punk eletrificado, do mesmo jeito que seria fascinante enfiar no punk uma coisa como a música de Carmem Miranda. Adoro quando as pessoas pegam música folclórica de seus países e misturam com punk, isso é muito melhor do que procurar fazer um som apenas parecido com com uma banda americana, inglesa ou finlandesa. Já fizeram um pouco disso no Japão, e na Hungria tem uma banda chamada Bikini que é uma maravilha.
BIZZ: No Brasil, até componentes eletrônicos e eletricidade dão um jeito de improvisar.
Jello: Ótimo! Porque o pessoal daqui detesta improvisar. Os próprios punks daqui têm medo de improviso: aprendem uma fórmula e ficam naquilo. Eu ia adorar escutar, por exemplo, a música de uma tribo do Amazonas, ou a Carmem Miranda, ou a salsa... sei que não é bem salsa...
BIZZ: Samba
Jello: ... o samba, isso tudo misturado com punk havia de criar uma música totalmente nova. O pessoal do Run DMC está tentando misturar hard rock com rap music e funk, aqui nos Estados Unidos.
BIZZ: Vocês acabaram de lançar o LP " Frankenchrist". O anterior, " Plastic Surgery Disasters", saiu em 82- o que vocês fizeram nesse tempo?
Jello: A gente estava tentando adquirir independência real e total para a nossa gravadora, a Alternative Tentacles. Nós fomos roubados adoidado por um pessoal que comercializa nossa marca. Fizeram discos defeituosos e foi preciso entrar em concordata quando chegou a hora de pagar todo mundo que estava reclamando. Nós acabamos no meio da rua, e a primeira decisão que tomamos foi a de reconstruir o selo, completamente independente. Passamos três anos juntando dinheiro para poder gravar novas músicas. E eu fiquei nessa posição incômoda de ser homem de negócios.
BIZZ: Vocês estão em excursão. Como é que foi até aqui em Nova York?
Jello: Em geral foi tudo bem. Tivemos problemas com grupos religiosos, que em algumas cidades conseguiram proibir nossos shows. Há um movimento para censurar os discos de rock, mas ninguém lembra que violência mesmo as crianças veêm cada dia mais na televisão. É o típico movimento cristão de direita, o mesmo tipo de gente que matava prisioneiros políticos no Brasil e na Argentina. Aqui não chegaram a tanto, mas o objetivo final deles é exatamente esse.
BIZZ: Você foi candidato a prefeitura de São Francisco. Por quê?
Jello: Eu era candidato oficial, legal, com nome na cédula e tudo mais. Isso deu oportunidade a que jornais, rádios, revistas, panfletos publicassem as minhas opiniões. Por exemplo, obrigar a polícia a ser eleita, guarda por guarda, pelas pessoas que ela vai controlar. Também acho que devíamos fazer um leilão em praça pública e todos os cargos oficiais mais lucrativos. Um leilão mesmo, aberto, em vez de fazer às escondidas, nos escritórios enfumaçados do poder. Naquelas eleições só havia algumas dúzias de punks na cidade, mas eu consegui 6591 votos, o quarto entre dez candidatos, e foi suficiente para ter que haver uma eleição de desempate entre os dois principais candidatos. E isso era o que eu queria, mostrar que não era uma eleição de verdade, era a disputa entre um candidato dos banqueiros, Feinstein, e Kopp, uma marionete dos interesses imobiliários. Era uma batalha entre dois setores de direita, e quem tinha consciência disso, e já estava de saco cheio, votou em mim.
BIZZ: Por que você usa a expressão "Fascistas Zen" na música "California Über Alles",
se o budismo é aceito por tantos jovens como alternativa para a civilização consumista ocidental?
Jello: O que eu estou querendo denunciar é que algumas pessoas que tinham a cabeça muito aberta, e eram ativistas nos anos 60, agora se tornaram ultraconservadoras e ficam procurando gurus que lhes ensinem o que fazer. E toda religião quando você tenta forçá-la para outra pessoa, é uma forma de fascismo e também uma forma de capitalismo. Estamos tentando lutar contra essas duas coisas. E agora quero dar um recado para o Brasil: qualquer pessoa que queira conseguir nossa música ou qualquer outra coisa pode escrever para P.O. Box 11458, San Francisco, California, 94101,EUA, que é o endereço da Alternative Tentacles. E eu estou muito interessado em ouvir música brasileira, que seja moderna ou pelo menos interessante, fora do comum, e isso não significa apenas punk. Quem tiver interesse nisso é só mandar discos e fitas; vamos fazer um intercâmbio internacional. É isso aí!
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